Profissão passa por desafios, ao mesmo tempo que se beneficia de novas tecnologias na produção de conteúdos ao redor do mundo.
Sem dúvida, a internet moldou nos últimos anos diversas áreas, sendo elas profissionais ou simplesmente na forma como as pessoas realizam seus hábitos cotidianos. Entre essas mudanças, está uma maior globalização do acesso à internet, possibilitando que, com o uso de uma VPN, usuários rompam as barreiras geográficas e possam consumir conteúdos de diferentes partes do mundo.
Como consequência disso, o interesse de pessoas por produções descentralizadas fez com que houvesse um gigantesco aumento na busca e adesão dos streamings, com 56% de adultos assinando algum tipo de serviço da categoria, segundo a média global (Streaming Global do Finder/2021).
Atualmente, o foco dos assuntos relacionados à tecnologia, seja no acesso a serviços de streaming ou na própria televisão, está voltado para as IAs (inteligências artificiais), que parecem ter saído do dia para a noite de obras de ficção para a rotina das pessoas. Ferramentas como ChatGPT carregam boa parte dos motivos pelos quais esse tipo de tecnologia passou a ser tão falada, mas os impactos vão além.
Com o uso de algoritmos poderosos pelas redes sociais, conteúdos gerados com auxílio de IAs se tornam cada vez mais comuns e se difundem com muita facilidade. Um usuário sem muito conhecimento tecnológico pode, em poucos minutos, inserir um áudio gerado artificialmente e legendas transcrevendo o conteúdo do vídeo.
Mas o que isso tem a ver com o universo da dublagem? Mídias como rádio, televisão e cinema tiveram que se reinventar em função de novas tecnologias, e a dublagem esteve por muito tempo lado a lado com esses formatos. Greves de sindicatos de profissionais do audiovisual chamam a atenção para os riscos que tecnologias como IAs oferecem para sua atuação e também para as produções como um todo.
Entendendo a origem da dublagem
Considera-se que a dublagem como conhecemos hoje surgiu em meados da década de 1920, chegando apenas em 1938 no Brasil. O mercado cinematográfico era dominado quase por completo por filmes norte-americanos, e como a língua inglesa não era tão difundida como hoje, viu-se a necessidade de ampliar a audiência através da adição de um áudio na língua do país.
Vale mencionar que antes desse período, muitos filmes eram mudos, acompanhados apenas de trilhas musicais reproduzidas ao vivo, e ocasionalmente com narração dos cartões exibidos em tela com texto. Sendo assim, a origem da dublagem é atrelada à maior acessibilidade em relação à língua falada.
Dublagem brasileira está entre as melhores do mundo
Com frequência a dublagem brasileira figura em listas das melhores do mundo, pela sua técnica que considera não apenas ”traduzir” os diálogos, mas transpor emoções e contextos de forma regionalizada. Na sua primeira versão, em 1938, a primeira dublagem brasileira foi realizada para um filme da Disney, ”Branca de Neve e os sete anões”, pelos cantores Dalva de Oliveira e Carlos Galhardo.
Muitos filmes e séries que não tiveram tanto sucesso em seus países de origem ganharam o público lusófono, por conta da dublagem. São exemplos: “As branquelas”, “Todo mundo odeia o Chris” e “Eu, a patroa e as crianças”. Além disso, diversos profissionais de dublagem nacionais fazem parte da cultura popular, graças a suas interpretações de personagens icônicos.
Rotina de profissionais de dublagem
Engana-se quem pensa que trabalhar como profissional de dublagem é apenas reproduzir diálogos em um estúdio, seguindo a duração de uma obra. Uma única sessão de dublagem pode ultrapassar 10 horas de trabalho e, no Brasil, é comum que os dubladores utilizem de técnicas de reprodução mecânica de sons, para transmitir mais realismo à versão dublada.
Embora se baseiem no roteiro original da obra, os dubladores possuem liberdade para improvisar e encontrar a linguagem mais adequada para cada trabalho. Por isso, é comum que piadas e outros diálogos que contenham referências culturais sejam adaptados ao idioma, para fazer mais sentido para os espectadores.
Como a tecnologia impacta a área da dublagem
A digitalização de mídias de comunicação, principalmente com a chegada da internet, afetou profundamente muitos profissionais. Dentro do universo da dublagem, essas tecnologias contribuíram para a melhor qualidade de gravação de áudio, remasterização de obras históricas e até mesmo complementos ao trabalho de dubladores.
Gravações remotas
Muitas produções audiovisuais foram obrigadas a serem interrompidas por conta da pandemia entre 2020 e 2022. Por outro lado, dubladores e estúdios puderam dar continuidade a projetos já em andamento, de forma remota. Cuidados como garantir uma conexão segura para transferência de arquivos, evitando possíveis vazamentos e interceptação de pirataria permitem a execução nesse formato.
Além de recursos como VPN, os quais adicionam camadas a mais de proteção na hora de gravar de forma remota, os profissionais conseguem praticamente a mesma qualidade de gravação. Isso por conta de ferramentas on-line, que filtram barulhos externos, adicionam efeitos e até mesmo sugerem pronúncias.
Continuidade e veracidade
Outro benefício para a área da dublagem oferecido pelas tecnologias atuais tem relação com a continuidade. Profissionais que trabalham com a voz também estão sujeitos a gripes, resfriados e outros problemas que os impedem de gravar. Nesses casos, ferramentas como IA podem ‘corrigir a voz’ do dublador ou até mesmo replicar a sonoridade em casos em que o profissional não pode trabalhar.
Envolto em polêmicas, o uso de IAs para reproduzir a voz de pessoas já falecidas também é uma alternativa. Ele permite introduzir com veracidade a voz de um artista ou dublador, como já aconteceu recentemente em comerciais e até mesmo lançamentos musicais.
Desvalorização de profissionais
Da mesma forma que os avanços tecnológicos implicam em novas profissões, as que já existem sofrem impactos tremendos. Sim, as IAs hoje permitem criar vozes para dublagem de materiais audiovisuais de diversos tamanhos, o que coloca em risco a valorização dos profissionais atuais.
A discussão é similar à substituição de profissionais de redação e criativos pelo ChatGPT, uma vez que essas ferramentas conseguem realizar com eficácia a criação de um material, mas carecem do fator humano. Isso pode ser notado principalmente em aspectos característicos da dublagem brasileira, como a emoção na voz e a versatilidade de regionalizar palavras.
Recentes movimentos de dubladores ao redor do mundo, incluindo a greve de sindicatos do audiovisual em Hollywood, questionam a substituição dos profissionais por essas ferramentas. Para eles, é possível fazer uso de tais tecnologias para otimizar a qualidade dos materiais e ampliar as possibilidades de criação dentro dos estúdios.
Direitos autorais
Outra questão muito importante e que impacta diretamente o uso de inteligências artificiais para dublagens é em relação aos direitos autorais. Afinal de contas, quem fica com a autoria de um material criado por uma máquina? A criadora da ferramenta? O estúdio de posse da obra audiovisual? O dublador que fez uma versão de dublagem prévia?
Usuários de serviços de streaming já usam com frequência aplicativos de VPN para acessar obras não disponíveis em seus países por motivos contratuais. Acordos que permitam a maior distribuição, adequando as leis de autoria para cada região podem ser uma alternativa de regularizar o uso de IAs e incentivar o uso dessas ferramentas de forma mais ética.
Discussões em torno de aplicativos de síntese de voz, redes sociais e dubladores
Atualmente, é possível encontrar uma infinidade de ferramentas baseadas em inteligência artificial, voltadas para criação de textos, imagens, vídeos e áudio. Por um lado, isso amplia as possibilidades de uso dessas tecnologias, mas levanta discussões sobre o uso adequado delas, principalmente em aspectos ilegais.
Deep fakes
Com aplicativos de síntese de voz e geração de imagens se popularizando e ganhando refinamento profissional nos conteúdos gerados, a discussão em torno dos deep fakes fica cada vez maior. Recomenda-se o uso de serviços como uma rede privada virtual, ao compartilhar arquivos pessoais, principalmente protegidos por direitos autorais.
Hoje, praticamente qualquer pessoa consegue pegar um trecho de um áudio, seja de uma pessoa comum, seja de um dublador e/ou cantor profissional, e inserir essa mesma voz, com alta fidelidade, em um contexto que não existiu na realidade. Isso põe em risco a imagem de pessoas públicas, como também pode comprometer em aspectos legais pessoas inocentes.
Homogeneização de produções
Um dos diferenciais da dublagem é justamente contextualizar obras audiovisuais, principalmente no cinema, ao público de cada local. O uso de inteligência artificial para gerar dublagens pode favorecer a já existente homogeneização de produções, enfraquecendo aspectos culturais e a própria indústria que os comporta.
Basta navegar por redes sociais como o Tik Tok para se deparar com o uso massivo de descrições de áudio em conteúdos de vídeo, mas que pouco diferem em entonação. Além disso, as ferramentas ainda possuem muitas limitações, especialmente em pronúncias locais, dicção e expressões.
Democratização do acesso a conteúdos audiovisuais
Falamos que a indústria de dublagem brasileira é mundialmente reconhecida, principalmente em filmes e séries. Entretanto, ainda existem muitos idiomas que não recebem a mesma atenção do mercado audiovisual, e poder contar com inteligência artificial para gerar dublagens na língua própria funcionaria como um maior acesso à informação global por essas pessoas.